IMPRIMA O ARTIGO

CASIMIRO RELATA A MORTE DO PAI
AO PRIMO ANTÔNIO

Documento de fundamental importância na biografia de Casimiro, esta carta desfaz algumas lendas, como aquela de que, ao chegar a Indaiaçu vindo da Corte, o pai do poeta já havia sido sepultado.

“Inday’assu (sic) 22 de abril ─ 1860

Primo Antônio.

Já deve saber o triste acontecimento da morte do meu Pai.

À minha chegada aqui levei-o para a Barra, onde havia mais recursos, e nutríamos a esperança de que se restabelecesse, pois realmente ia indo muito bem; estava fraquíssimo e inteiramente exausto pois as febres intermitentes o consumiam há mais dum mês. Haviam (sic) ali diversas inflamações: do fígado, baço até que tudo se agravou. Numa ocasião em que fez um pequeno esforço saiu-lhe a hérnia e conservou-se fora 4 dias sem haver meio de reduzi-la. Era a morte certa e tentaram a operação; foi ela feita com toda a perícia e rapidez, mas a natureza estava tão abatida que não pôde resistir, ─ 5 horas depois sucumbiu.

Pedi ao Cabral que fizesse convite para a missa de 7o e 30o dias.

─ Sube (sic) ontem que o Machado mandara para mim uma caixa com insetos ─ rogo-lhe o obséquio de mandar entregá-la em S. Domingos com a carta inclusa.

Queira dizer ao Sr. Bastos que brevemente darei ordens para saldar a minha conta.

Queira recomendar-me aos primos e creia-me

Seu primo amigo obrigado

Casimiro JM. de Abreu

Faleceu no dia 17 de abril às 8 1/2 da noite.”

Rio ─ Outubro 20 ─ 1858              

COMENTÁRIOS

1) Quem primeiro me falou (em 1993) que na Casa do Sestelo, em Santa Maria de Oliveira, Vila Nova de Famalicão, havia uma carta autógrafa de Casimiro colocada em caixilho com vidro e pendurada a uma parede, foi Da Maria José de Abreu Sampaio de Lima Carneiro Pacheco de Andrade, da cidade do Porto, cunhada de Da Maria Luísa Calem Champalimaud Carneiro Pacheco, proprietária da Casa do Sestelo. Demonstrei logo interesse em ter uma cópia da carta, ou, se possível, ter acesso à mesma. Mas havia dificuldades. Para minha surpresa, porém, dois ou três dias depois, Da Maria José me comunicou que seu sobrinho, o Sr. Mário Rui, filho de Da Maria Luísa, fizera para mim duas fotocópias da carta. Só que, para fazer tais fotocópias, tivera de levar a carta, na moldura, para a cidade do Porto. Assim, quando um mês mais tarde, recebido pela querida e saudosa Da Maria Luísa, estive na Casa do Sestelo, tive a decepção de saber que o original, que não cheguei a ver, ficara no Porto. De qualquer forma, Da Maria Luísa entregou-me a fotocópia, que pude depois microfilmar.

2) Apesar de Casimiro descrever com precisão a agonia do pai, soa estranho aquele “realmente ia indo muito bem; estava fraquíssimo e inteiramente exausto” que, por uma fração de segundo, deixa o leitor perplexo, sem entender as coisas. Depois, examina-se melhor, e se entende bem o que ele quis dizer.

3) Casimiro diz que “febres intermitentes o consumiam há mais dum mês”. Levando-se em conta a data da chegada do poeta à fazenda, em 4 ou 5 de abril, se vê que José Joaquim adoecera em fins de fevereiro, ou nos primeiros dias de março. Da hora da morte, depreende-se que a cirurgia foi realizada às 15:30 horas, o que faz sentido, pois teria de ser feita à luz do dia. Na época, a iluminação da Vila não deixava outra opção. Suponho que José Joaquim tenha sido operado pelo Dr. Antônio Lobo Viana, amigo da família, genro de Francisco José Teixeira Bastos, cuja filha Luísa era afilhada de casamento do pai de Casimiro. Havia, porém, outros médicos que poderiam tê-lo operado, como o cirurgião Dr. João Francisco de Sousa.

4) O termo de óbito de José Joaquim (fl. 59 do Livro de Óbitos no 3 da Freguesia da Sagrada Família do Rio São João), diz que ele “faleceu no dia anterior em consequência de uma hérnia”, o que é só meia verdade, como se vê pela carta acima. Eis o termo fielmente transcrito:

“José Joaquim Marques d’Abreu: Aos dezoito dias do mes de Abril de mil oitocentos e sessenta nesta Freguesia da Villa da Barra de São João sepultou-se o cadáver do finado José Joaquim Marques d’Abreu, natural de Portugal, solteiro, de idade de sessenta anos mais, ou menos; recebeu os Sacramentos da Penitencia e Extrema Unção; faleceu no dia anterior em consequencia de uma hernea; foi encomendado por mim, e sepultado nas Catacumbas da Irmandade do Santíssimo; e para constar faço este termo O Vigario João Ferreira Passos.”

5) Realmente, no Rio de Janeiro, foram ditas duas missas por alma de José Joaquim Marques de Abreu, mandadas rezar por Casimiro e Costa Cabral. Mas houve outras.

6) A caixa de insetos enviada a Casimiro por seu vizinho Manoel Antônio Rodrigues Machado será citada em duas outras cartas. Curioso que fosse mandada para São Domingos, onde morava a já então namorada de Casimiro, Joaquina Luísa da Silva Peixoto, a “Quinquina”. Poderia ser para ela, como poderia ser também para o irmão desta, Belisário Peixoto, amigo do poeta.

7) Vê-se por aqui a correção de Casimiro, preocupado em saldar sua conta na firma em que trabalhava. Quanto ao “Sr. Bastos”, trata-se de Antônio José Pereira Bastos, um dos sócios de João Baptista Leite & Cia. Transcrevo, a propósito, trecho de anúncio de 10 de setembro de 1863 do Jornal do Commercio, onde aparecem os nomes de todos os sócios daquela firma: “… se convida para a missa por morte do Barão de Guaribu, mandada rezar pelos seus amigos Comendador Domingos José Leite, João Baptista Leite, Antônio José Pereira Bastos e Antônio José Marques de Abreu Júnior (ausente)”. Acrescento que, em meados de 1872, a firma de João Baptista Leite & Cia. entrou em liquidação.

8) Os primos citados no final são os irmãos de Antônio: José, e João Marques de Abreu.

9) Se é verdade que uma imagem vale por mil palavras, é verdade também que, às vezes, um documento vale por muitas histórias. Quantas lendas, penso, se formaram em torno da morte de José Joaquim Marques de Abreu, como aquela de que, ao chegar ao Indaiaçu, Casimiro já encontrara o pai sepultado.

10) Revendo a nota no 3, transcrevo um trecho da carta que em 13 de fevereiro de 1860, Manoel Joaquim Pinto Osório (tio materno de Casimiro e residente nas Adoelas, dentro da atual Reserva Biológica Nacional de Poço das Antas, em Silva Jardim-RJ), envia ao seu cunhado e compadre José Joaquim. De sua casa para a Fazenda do Indaiaçu, diz ele: “Muito sinto os seus incômodos de moléstia, e que Deus permita que o mais breve possível se restabeleça.” Ora, isso mostra que o pai de Casimiro já estava doente desde a primeira quinzena de fevereiro.

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