IMPRIMA O ARTIGO

A UM POETA.

O saudoso Prof. Jean Michel-Massa (1930-2012), da Universidade de Rennes, na França, via nos versos de “A um poeta”, um sinal de que, após a publicação de Primaveras, a poesia de Casimiro começava a adquirir um viés social.

A UM POETA.

Away! away!

Mazeppa.

O viajor perdido ao declinar do dia

Dirige ao céu sereno o seu olhar aflito,

Mas a coragem volta e novas forças cria

Se voz amiga ao longe responder-lhe ao grito.

Nós que somos irmãos na luta e no cansaço

Nós que ao mesmo calvário a mesma cruz levamos

Depois do aperto amigo e do fraterno abraço

Com novo ardor e vida nos dizemos – vamos!

Mova-se o passo afoito no abrasar da areia,

A vista esperançosa alcance a fonte amada,

E o braço juvenil na escuridão tateia

Por entre as silvas bravas o sinal da estrada.

Caminhar! caminhar! a terra prometida

Por trás dos alcantis talvez nos apareça.

Caminhar, caminhar! sem maldizer da vida,

– O nosso patrimônio existe na cabeça.

1859.

COMENTÁRIOS

“A um poeta”, um dos melhores poemas de Casimiro, foi publicado inicialmente em 23 de outubro de 1859, no oitavo número d’O Espelho, revista dominical que Francisco Eleutério de Sousa começara a editar no dia 4 do mês anterior. Saiu na página 11, datado “1859.” e assinado “Cazimiro d’Abreu”. Vinte e quatro anos depois, na edição das Obras Completas de Casimiro organizada pelo Dr. Joaquim José de Carvalho Filho e publicada na primeira quinzena de dezembro de 1883, a data veio acrescida do mês, “Julho.1859.”, ampliando a informação, e ajudando a entender o tom altivo dos versos de “A um poeta”.

Equivocadamente, o Dr. Carvalho Filho dá o poema como inédito, mostrando desconhecer as publicações anteriores: a primeira, que já citamos, e uma segunda, de 1870, devida a Alexandre José Melo Morais Filho, que o incluíra nas páginas 269-270 do seu Curso de Literatura Brasileira (Livraria da Casa Imperial de Emile Dupont, Editor, Rio de Janeiro), com duas pequenas divergências em relação à forma que exibira n’O Espelho: “Se a voz amiga ao longe” e “no abrasar na areia”.

O fato de Melo Morais Filho haver escolhido “A um poeta” para ilustrar o seu livro, foi, algumas décadas mais tarde, motivo de ácida crítica por parte do escritor Goulart de Andrade, que dominado por preconceito estético e atrelado ao formalismo próprio dos parnasianos, via o poema de Casimiro como um corpo disforme, onde o verso final se destacava como uma feia corcunda. No seu ensaio “Casimiro de Abreu”, publicado no no 14 (julho de 1920) da Revista da Academia Brasileira de Letras e republicado depois no livro Cadeira no 6 da Academia Brasileira de Letras 1915-1925 (Editorial Alba Ltda, Rio de Janeiro, 1933, 2a edição), ele mostra admirar o autor de Primaveras, mas não consegue disfarçar a irritação que a espontaneidade daquele lhe causava. Chega à arrogância de alterar alguns versos que o incomodavam, ajustando-os àquilo que ele julgava o melhor. Vejam por exemplo esta quadra do poema “No lar”, uma das obras primas de Casimiro,

“Oh! mocidade! Bem te sinto e vejo!

De amor e vida me trasborda o peito…

─ Basta-me um ano!… e depois… na sombra…

Onde tive o berço quero ter meu leito!”

que o inconformado escritor alagoano assim reescreve:

“Oh! Mocidade bem te sinto e vejo!

De amor e vida me transborda o peito,

Basta-me um ano só… depois… na sombra…

Quero, onde tive o berço, ter meu leito.”

Devo, porém, dizer que apesar das restrições que fiz a Goulart de Andrade, a biografia de Casimiro ficou a lhe dever alguns pontos. Foi ele, por exemplo, quem doou ao arquivo da Academia Brasileira de Letras uma carta e duas fotos do poeta, que a irmã deste, Albina Teresa Marques de Abreu Paes, lhe dera de presente, numa possível reverência ao fato de ele, Goulart de Andrade, ocupar na Casa de Machado de Assis a cadeira no 6, que tinha (e tem) Casimiro por patrono.

Voltando ao parágrafo inicial, onde disse que ao acrescentar a data “Julho.1859” o Dr. Carvalho Filho ajudara na compreensão do poema, devo dizer que, naquele mês, a situação de Casimiro não podia ser pior. Estava, como se diz, no fundo do poço: desempregado, “sem vintém nas algibeiras”, se sentindo “um vagabundo”, como ele mesmo diz em carta de 25 de julho a um amigo que trata por My Dear:

“Os meus amáveis amos puseram-me na rua em 13 de junho e ainda me acho desarranjado; felizmente tenho esperanças de empregar-me até fins de agosto e então prometo-te que não terá (sic) motivos de queixas minhas ─”

Desse modo, se lermos os versos de “A um poeta” atentos ao estado precário em que Casimiro se achava na fase em que os fez, fica mais fácil compreender o espírito de reação e luta que parece animá-lo, a fé que demonstra de manter “a vista esperançosa” no caminho que escolhera, ainda que o conduzisse ao calvário. Vê-se então que o poema é um agradecimento à “voz amiga” de um poeta, companheiro “na luta e no cansaço”, que parece tê-lo apoiado nos dias difíceis por que passava. Ocorrem-me logo os nomes de José Joaquim Cândido de Macedo Júnior, o Macedinho, e o de Francisco Gonçalves Braga, amigos íntimos do autor de Primaveras. Mas foram tantas as amizades que Casimiro conquistou no mundo das letras, que o melhor é não especular a respeito.

Registro, para fechar esta nota, que Jean Michel-Massa, da Universidade de Rennes, na França, profundo estudioso da vida e da obra do autor de Dom Casmurro e que, entre outras obras, já deu aos brasileiros a excelente La jeunesse de Machado de Assis (A juventude de Machado de Assis), Massa, repito, publicou em 1967 nas páginas 658-660 da revista Tilas, daquela cidade francesa, um artigo intitulado “Casimiro de Abreu, un poète ‘engagé’?” (“Casimiro de Abreu, um poeta engajado?”) no qual, partindo do poema “A um poeta”, alerta para a vertente social que a poesia de Casimiro parecia anunciar após a publicação do livro Primaveras. Vai além: se pergunta se não teria sido ele, Casimiro, o primeiro a afirmar a primazia da razão, o patrimônio da cabeça, sobre o reino dos sentidos.

(Publicado em Casimiro de Abreu – Obra completa, coedição da Academia Brasileira de Letras com G. Ermakoff Casa Editorial, Rio de Janeiro, 2010)

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Capa do nº1 da revista semanal O Espelho (1859-1860).

O poema “A um poeta” foi publicado na página 11 do nº 8 da revista O Espelho.