Uma das obras primas de Casimiro, e onde tão bem se sente a sua influência sobre Castro Alves, o poema “Pepita” foi publicado pela primeira vez em 15 de novembro de 1858 no Correio Mercantil. Vinha assinado “Casimiro de Abreu”, mas não trazia indicações de data ou local. Das nossas descobertas em relação à obra de Casimiro, uma das mais interessantes é que esse poema foi inspirado pela sedutora bailarina Victoria Josefa Durán y Ortega, mais conhecida por Pepita de Oliva.
A toi! toujours a toi!
V. Hugo
Minh’alma é mundo virge’– ilha perdida –
Em lagos de cristais;
Vem, Pepita, – Colombo dos amores –,
Vem descobri-lo, no país das flores
Sultana reinarás!
Eu serei teu vassalo e teu cativo
Nas terras onde és rei;
À sombra dos bambus vem tu ser minha;
Teu reinado de amor, doce rainha,
Na lira cantarei.
Minh’alma é como o pombo inda sem penas
Sozinho a pipilar;
– Vem tu, Pepita, visitá-lo ao ninho;
As asas a bater, o passarinho
Contigo irá voar.
Minh’alma é como a rocha toda estéril
Nos plainos do Sará;
Vem tu – fada de amor – dar-lhe co’a vara…
– Qual do penedo que Moisés tocara
O jorro saltará.
Minh’alma é um livro lindo, encadernado,
Co’as folhas em cetim;
– Vem tu, Pepita, soletrá-lo um dia…
Tem poemas de amor, tem melodia
Em cânticos sem fim!
Minh’alma é o batel prendido à margem
Sem leme, em ócio vil;
– Vem soltá-lo, Pepita, e correremos
– Soltas as velas – desprezando remos,
Que o mar é todo anil.
Minh’alma é um jardim oculto em sombras
Co’as flores em botão;
– Vem ser da primavera o sopro louco,
Vem tu, Pepita, bafejar-me um pouco
Que as rosas abrirão.
O mundo em que eu habito tem mais sonhos,
A vida mais prazer;
– Vem, Pepita, das tardes no remanso,
Da rede dos amores no balanço
Comigo adormecer.
Oh! vem! eu sou a flor aberta à noite
Pendida no arrebol!
Dá-me um carinho dessa voz lasciva,
E a flor pendida s’erguerá mais viva
Aos raios desse sol!
Bem vês, sou como a planta que definha
Torrada do calor.
– Dá-me o riso feliz em vez da mágoa…
O lírio morto quer a gota d’água,
– Eu quero o teu amor!
Rio – 1858.
Uma das obras primas de Casimiro, e onde tão bem se sente a sua influência sobre Castro Alves, “Pepita” foi publicado pela primeira vez em 15 de novembro de 1858 no Correio Mercantil. Vinha assinado “Casimiro de Abreu”, mas não trazia indicações de data ou local. Em setembro de 1859, sem passar por mudanças, reapareceu no livro Primaveras, trazendo agora a indicação “Rio – 1858”.
O poema deu motivo a uma curiosa passagem da vida de Casimiro. Para contá-la, temos de recorrer à sua correspondência com Francisco do Couto Sousa Júnior, seu amigo e confidente, morador em Porto das Caixas, no município fluminense de Itaboraí. Diz-lhe Casimiro em carta de 19 de fevereiro de 1859, onde faz críticas a Sílvio Pinto de Magalhães, militar e mau poeta, seu companheiro de infância em Rio das Ostras:
“É um defeito do Sílvio copiar muito, porque ele não tem poesia alguma que seja toda sua. Ainda ontem ele publicou no Mercantil uma intitulada ─ Helena ─ que é uma cópia da minha ─ Pepita! ─ Não sei se te lembras dela, mas hás de ver que eu tenho razão. Ele imitou tudo: a forma do verso, o número deles, as ideias, e até mesmo o título que é também nome de mulher! ─ Ora isto é demais, e eu fiquei tão zangado ontem que brandi uma sarabanda que saiu hoje no Mercantil. Não me assinei, e atribuí a ─ Pepita ─ a T. de Melo para ele não desconfiar que sou eu quem escrevi o tal artigo. Peço-te segredo ─”
Transcrevo, para que os leitores possam comparar os dois textos, o poema de Sílvio a que Casimiro se refere. Foi publicado no Correio Mercantil de 18 de fevereiro de 1859, e acabou rendendo, pelas páginas do mesmo jornal, uma acirrada polêmica entre Sílvio e Casimiro, que a sustentou sob o pseudônimo de “Cham”.
Minh’alma, Helena, foi um dia o canto
Que ouvias no cismar,
Esse canto repleto de doçura
Que dava-te ao sentir meiga ternura
E vida ao teu chorar.
Foi o leve perfume das grinaldas
Das virgens do Senhor;
Minh’alma foi o riso da donzela,
O raio mais formoso de uma estrela
Que estremece de amor.
E os meus sonhos, Helena, tão suaves,
Foram sonhos gentis;
Lindas paisagens de formosas cores,
Vaporosas visões loucas de amores,
Imagens infantis.
Mas essa alma de então perdi de todo
E os meus sonhos também:
Assim se perde na sombria veiga
A tristonha canção da rola meiga
Que chora a dor que tem!
Ah! meu Deus, como a aurora desse tempo
Despertava gentil!
Como doce era a luz da madrugada,
E nos céus das manhãs, donzela amada,
Que poeira d’anil!
Os sonhos que hoje tenho são sem vida,
Já lhes falta dulçor!
─ Esmaltes desmaiados de uma outra éra,
Lembranças de passada primavera,
De um passado de amor.
Ai! minh’alma de agora é flor crestada,
Abatida a cismar!
Inculta planta de terreno ingrato,
Despida de verdores, n’outro mato
Isolada a murchar!
Só tu, Helena, poderás dar viço
À ressecada flor;
À planta inculta conceder verdores,
E aos sonhos desmaiados ─ vivas côres
E o perdido dulçor.
Vem ─ depois saberás quanta delícia
Existe no viver!
─ Abre as azas gentis, solta os adejos,
Vem trazer-me a ventura nos teus beijos
De encantado poder.
E minh’alma será então a imagem
Do teu mago sorrir!
─ Vem, angélica irmã das brancas flores,
Favorita gentil dos meus amores,
Florescer meu porvir.
Silvio P. de Magalhães.
Rio, 1859”
Transcrevo agora a “sarabanda” citada por Casimiro, que veio a público na segunda página do Correio Mercantil:
“Aos Srs. poetas. Ultimamente tem-se desenvolvido a mania dos moços poetas plagiarem e irem buscar leur bien où ils le trouvent. Ainda hoje (18) uma poesia que vem no Correio Mercantil intitulada Helena assinada pelo Sr. Sílvio P. de Magalhães ─ é uma imitação demasiadamente aproximada de uma outra que saiu há meses com o título de ─ Pepita ─ julgo que do Sr. T. de Mello. Se continuarmos assim, e dois sujeitos publicarem a mesma poesia, qual será o autor ─ verdadeiro? É preciso pois haver mais cuidado, aliás se aparará a pena do caricaturista. Cham”
A resposta de Sílvio veio no dia seguinte, 20 de fevereiro de 1859, na segunda página do Correio Mercantil:
“Ao Cham. O número dos plagiadores está em muito menor proporção que o dos tolos que se metem a censores.”
Casimiro contra-ataca. Na segunda página do Correio Mercantil do dia seguinte, dá uma alfinetada em Sílvio:
“Plágios e plagiários. Por isso mesmo que não há crítica entre nós é que os meninos se zangam com a menor observação. Em questões literárias não se insulta: ─ discute-se. Os plágios provam-se. Cham.”
Sílvio revida no dia seguinte, 22 de fevereiro de 1859, no Correio Mercantil:
“Ao Cham. Meu caro senhor, caluniar incivil e covardemente, lançar um estigma injusto sobre qualquer pessoa, é somente dado aos homens de nenhuma educação e de baixos sentimentos; portanto, a não querer ser de todo contemplado neste rol, queira mandar publicar a poesia que citou e juntamente a que publicamos no Correio Mercantil de 18 do corrente, apontando desde logo os plágios que tivermos cometido. Não julgue que o público é tão insensato que dê crédito a qualquer estrião que tente menosprezar a dignidade alheia. S.S. não foi mal à primeira vista em simpatizar conosco, porquanto, percebendo-nos a qualidade de caricaturista, pensou com os seus botões que, dissimulando-nos uma afeição, podia alcançar ser caricaturado de modo que o seu original não revelasse o que tem de pedante; acredite, porém, caro senhor, que não obstante todas as mudanças que o nosso poder caricatureiro lhe puder fazer, nunca isto o livrará da perseguição do ridículo que lhe compete.
Sílvio Pinto de Magalhães.”
No dia seguinte, 23 de fevereiro de 1859, pelas páginas do Correio Mercantil, Casimiro encerra a polêmica mantida anonimamente com o amigo Sílvio Pinto de Magalhães, e publica este texto:
“Plágios e plagiários. Repetimos: em questões literárias não se insulta ─ discute-se. Ontem nós discutiríamos, hoje, depois da leitura do artigo com que nos responderam, é inteiramente impossível. É inútil, pois, renovar as ofensas amanhã ou depois, porque seremos mudos; pode traduzir o nosso silêncio como quiser, mas creia que a significação verdadeira é asseio.
Cham.”
Pois bem, não bastasse essa azeda polêmica anonimamente sustentada por dois jovens filhos da Freguesia da Sagrada Família do Rio São João, há algo curioso a ser juntado à história de “Pepita”. Só viemos a descobri-lo há dois ou três anos. Daí que, lamentavelmente, não tenhamos podido abordá-lo no livro Casimiro de Abreu – Obra completa, por nós organizado e comentado, e publicado em 2010 pela Academia Brasileira de Letras em coedição com G. Ermakoff Casa Editorial.
Pois bem, o fato é o seguinte. A Pepita que atiçou a libido de Casimiro foi uma bela e famosa dançarina espanhola, a cigana Victoria Josefa Durán y Ortega (1830-1872), conhecida por Pepita de Oliva. O sobrenome era do marido, o professor de dança Juan Antonio Gabriel de Oliva. Ocorreu de Pepita tornar-se amante do diplomata inglês, Lord Lionel Sackville-West, 2º Barão de Sackville, com quem teve vários filhos. Uma de suas netas foi a escritora inglesa Vita Sackville-West.
Acrescentamos que foi através desta nota de José de Vasconcellos, publicada na seção “O que vai pelo mundo” do Jornal do Recife de 5 de março de 1859, e transcrita n’A Marmota de 31 de maio do mesmo ano, que ficamos sabendo da sedutora dançarina de flamengo nascida em Málaga:
“A célebre Pepita, a insigne bailarina hespanhola, que atualmente está fazendo peruetas no teatro de Copenhague, em 62 representações ganhou a soma de 54.000 francos (16:200$000). Que boas pernas que há de ter a tal muchacha! Já vejo que tem razão um amigo meu, quando diz em uma de sua belas poesias:
― Vem, Pepita, das tardes no remanso,
Da rede dos amores no balanço
Comigo adormecer!”
(Há na internet fotos de Pepita e artigos a seu respeito).
Se você tem ou teve parentes em Porto das Caixas, Itaboraí, Cantagalo ou Cordeiro (RJ), se seu bisavô e bisavó se chamavam Francisco e Modesta, ou se seu avô e avó se chamavam Américo e Florinda, por favor, entre em contato conosco.
Se você tem alguma informação sobre eles, por favor, entre em contato conosco. O primeiro, contém o batismo de Casimiro; o segundo, os óbitos dele, de seu pai, de seu tio Claudino, e talvez o do padre Luiz Francisco de Freitas, que batizou o poeta.