IMPRIMA O ARTIGO

NO ÁLBUM DE NICOLAU VICENTE PEREIRA

Poema datado de 19 de março de 1860, uma data gloriosa para Casimiro, quando a página 2 do Correio Mercantil foi praticamente tomada pelo artigo que Pedro Luís Pereira de Sousa saudou o surgimento do livro Primaveras.

NO ÁLBUM DE
NICOLAU VICENTE PEREIRA.

Tudo muda com os anos:

A dor – em doce saudade,

Na velhice – a mocidade,

A crença – nos desenganos!

Tudo se gasta e se afeia,

– Tudo desmaia e se apaga

Como um nome sobre a areia

Quando cresce e corre a vaga.

Feliz quem guarda as memórias,

As lembranças mais queridas,

No livro d’alma esculpidas,

Gravadas fundas em si!

Essas duram; mas que vale

Um nome desconhecido,

Se há de ser logo esquecido,

O nome que eu deixo aqui?

Rio de Janeiro 19 de Março de 1860.

COMENTÁRIOS

Desde a terceira edição de Primaveras, feita no Porto em 1866, onde foi incluído e classificado indevidamente como inédito, este poema tem sido republicado com uma indicação sintética de data: “1860.”  Porém, quando tive a sorte de achar na Biblioteca Nacional uma coleção do Cosmo Literário, onde o poema foi publicado pela primeira vez, pude obter mais dados sobre o mesmo. O citado periódico, que tinha Manoel Antônio Major na redação e era impresso na Corte, estampou o trabalho na quarta página do seu sétimo número, no domingo 24 de abril de 1864, precedido desta nota:

“Ao Público. A nossa boa estrela fez-nos deparar com a poesia abaixo inserta, é ela do nosso finado poeta Casimiro de Abreu e afiançamos que é inédita e que será aceita por todos aqueles que prezam o estro de tão sublimado poeta; contudo fazemos esse pequeno anúncio para prevenir enganos e para que o público conheça o quanto trabalhamos para agradá-lo. Redação.”

O mais importante, porém, é que o poema trazia a indicação exata do dia em que fora feito: “Rio de Janeiro 19 de Março de 1860.  Casimiro de Abreu”.

O dia 19 de março de 1860 foi uma data gloriosa na vida de Casimiro. Foi aquele em que, no Correio Mercantil, foi publicado o consagrador artigo que Pedro Luís dedicou a Primaveras. Daí que, nesse dia, o poeta tenha sido assediado por seus admiradores, que vinham, pessoalmente ou através de terceiros, como parece ter sido o caso de Nicolau Vicente Pereira, pedir-lhe que deixasse algumas palavras ou versos em seus álbuns de autógrafos, um simpático modismo da época.

Na edição das Obras Completas de Casimiro organizada pelo Dr. Joaquim José de Carvalho Filho e saída na primeira quinzena de dezembro de 1883 (Tipografia de A Escola, de Serafim José Alves, Rua Sete de Setembro, 83, Rio de Janeiro), o poema está nas páginas 198-199, com duas esclarecedoras notas de rodapé. A primeira, nos mostra que o Dr. Carvalho Filho não conhecia a publicação do Cosmo Literário: “O Sr. Ramalho Ortigão na edição que deu e prefaciou das Primaveras, Porto, 1866, deu esta inédita.” A segunda e mais importante é esta:

“Nos originais de Casimiro de Abreu, em meu poder, estes versos têm a nota seguinte: ‘Num álbum de que não conhecia o dono, ficaram estes versos servindo para todos os álbuns em iguais circunstâncias.’”

Nicolau Vicente Pereira era português, mas teve a infância passada no Rio de Janeiro. Poeta de algum mérito, muitos de seus trabalhos encontram-se n’O Espelho, e sobretudo n’A Messe, periódico da Sociedade Retiro Literário Português, que já no número de estreia, em 1o de janeiro de 1860, traz dele “Um adeus ao Rio de Janeiro”. Trata-se dum poema de 60 versos amargos, que tem no final a indicação “A bordo do brigue-escuna Guanabara, em 23 de dezembro de 1859. Nicolau Vicente Pereira.”

A viagem para o sul, ao que parece, não foi nada agradável, como se percebe pelos versos de outro poema seu, “Estrela da madrugada”, publicado no no 13 do mesmo periódico. Datado de “Rio Grande do Sul, 1o de janeiro de 1860”, o poema se compõe de nove quadras, onde a segunda é assim:

“Não deixes que eu morra, tão longe e saudoso

Dum solo formoso que há pouco deixei;

Não deixes que eu veja, nos mares medonhos

Perdidos os sonhos que infante sonhei.”

Há dele um poema, “O meu retrato”, composto em Porto Alegre e publicado em 1o de outubro de 1860 no no 19 d’A messe, por onde se fica sabendo um pouco mais a seu respeito. Ele nasceu em 1841, era moreno claro, nem gordo nem magro, tinha cabelos crespos e dentes escuros. Usava bigode torcido e, como ele mesmo confessa, era fiel ao sexo feminino… mas tinha medo de porrete.

NOTA COMPLEMENTAR

O texto acima já estava pronto, quando, em 9 de outubro de 2009, travei conhecimento com Luiz Antonio de Assis Brasil, consagrado escritor gaúcho, autor de Concerto Campestre, O pintor de retratos e A margem imóvel do rio. Bisneto de Nicolau Vicente Pereira, ele não só me enviou gentilmente a bela foto que ilustra esta página, como me forneceu as novas e valiosas informações abaixo transcritas:

“Nicolau Vicente Pereira nasceu em Penafiel, Portugal, a 8 de junho de 1841, filho de Antônio Pereira, funcionário público, e de Ana Joaquina Guimarães Pereira, poeta. Junto com seu irmão Zeferino, veio para o Brasil em 1853, inicialmente para o Rio de Janeiro. Em 1859, por conselho médico, vai para Porto Alegre. Nessa cidade, estabeleceu-se com comércio de sirgaria na Rua da Praia, a mais central, hoje oficialmente Rua dos Andradas. Foi poeta, contista, articulista e membro ativo do Partenon Literário, em cuja revista publicava seus trabalhos, usando às vezes o acrônimo NIVIPE. Casou-se a 9 de dezembro de 1865 em Porto Alegre com Ana da Silva Bastos, nascida em 4 de dezembro de 1843, com quem teve quatro filhos com descendência.

Seu filho Octávio Vicente Pereira, na década de 50 do século XX, doou ao Museu Júlio de Castilhos, de Porto Alegre, o álbum de seu pai, no qual consta o poema de Casimiro de Abreu que hoje é conhecido por “No álbum de Nicolau Vicente Pereira”. Octávio julgou que no Museu essa relíquia paterna estaria a salvo. Tal não aconteceu, e o álbum encontra-se atualmente perdido.”

Neto materno de Octávio, Luiz Antonio de Assis Brasil teve ocasião de examinar o álbum ainda no Museu, e diz: “Trata-se (imaginemos que possa reaparecer) de um volume com capa de veludo vermelho ou bordô, bastante desbotado, que contém, em latão, a inscrição Álbum. Não apenas o poema de Casimiro de Abreu está ali, mas também os de outros autores, além de uma partitura musical autógrafa do maestro e compositor Artur Napoleão (1843-1925).” Nicolau Vicente Pereira, acrescenta o seu bisneto, “faleceu em Porto Alegre a 14 de março de 1909, após longa enfermidade.”

(Publicado em Casimiro de Abreu – Obra completa, coedição da Academia Brasileira de Letas com G. Ermakoff Casa Editorial, Rio de Janeiro, 2010)

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