IMPRIMA O ARTIGO

PRIMEIRA CARTA DE CASIMIRO

Primeiro documento conhecido a trazer a assinatura de Casimiro, que tinha menos de 13 anos de idade ao escrevê-la, a inusitada carta que envia ao pai já nos mostra, na sua linguagem retorcida, um tanto barroca (deliciosamente barroca, aliás), que um poeta começava a despontar. De fato, não tardou a vir à luz a sua primeira produção poética, que abordaremos em outro local. Vamos à carta:

“Nova Friburgo 8 de Setembro de 1851.

Prezado Pai.

Espero que estas poucas linhas, o encontre (sic), e da mesma a toda a família gosando de perfeita saúde, como eu estou.

Tenho de participar-lhe que o seu amigo e professor meu Sr. Freitas1 está doente quase desde que principiaram os estudos, e muito sinto não só por ser meu professor, mas também porque não aproveito tanto no português; porém como vai ele ficando bom, o que eu sempre desejo vá em aumento a sua, saúde, eu espero recuperar o tempo que até então tenho perdido no português.

Em todas as classes vou indo bem e estudo como devo, para granjear a estima dos meus professores, e dar satisfação e gosto a Vmcê e a toda a família.

A respeito daqueles cigarros que tenho fumado,2 tem me feito bem, acho-me melhor, e falo já mais alto do que falava até então, e por isso o Sr. Freese pediu-me para lhe escrever que mandasse mais duas caixas, e como Vmcê talvez não saiba onde se vendem, ele disse-me que é na rua do Ouvidor no 163. onde se vendem cigarros peitorais de Soulier;3 e disse-me também que se não achar o homem do correio por quem deve mandar as caixas, entregue ao Snr. J. A. Pinheiro, rua da Alfândega no 19 que este mandará cá entregar.4

Escrevi-lhe o correio passado, mas não recebi resposta, espero pois desta.

Nada mais se me oferece dizer-lhe nesta ocasião só que lance a sua bênção sobre mim, e aceite as sinceras provas de respeito.

Deste seu filho

que lhe estima

Casimiro José Marques d’Abreu

NB.

Recomende-me muito aos Tios

às manas, e aos primos.”5

COMENTÁRIOS

1 – Surpreende que o Prof. Freitas (Cristóvão Vieira de Freitas) fosse amigo do pai de Casimiro. Isso pode ter pesado na escolha do Instituto Colegial de Nova Friburgo para colégio do filho. Decorridos quatro anos e meio da carta, em 1856, em Lisboa, Casimiro dedicará a cena dramática Camões e o Jau ao seu antigo mestre, o Prof. Freitas, e a um amigo e colega de estudos desse tempo, Cristóvão Corrêa e Castro.

2 – Surpreendente a inusitada história dos cigarros peitorais. Trata-se de cigarros terapêuticos feitos com ervas, que por suas propriedades broncodilatadoras e expectorantes, eram usados pela medicina da época para tratar a bronquite. Diante disso, e para além do que a referida passagem contém de pitoresco, podemos dizer que ela nos traz informações importantes. Primeiramente, aponta em Casimiro uma fragilidade prematura dos pulmões que nove anos mais tarde iam tirá-lo do mundo. Aí está ele, mal saído da infância, a debater-se com a bronquite, que uma voz debilitada só fazia confirmar. Depois, ela nos leva a pensar que pudesse estar aí, nos problemas respiratórios do filho, um motivo a mais para que José Joaquim escolhesse Nova Friburgo, com seu benéfico e cobiçado clima de montanha, para local de estudos do filho. E finalmente, é possível que a constatação de uma bronquite em Casimiro ajude a entender e explicar uma esquisitice que lhe foi atribuída; a de que costumava escrever seus poemas à noite, com os pés imersos numa bacia de água quente. Pois bem; consultando “o Chernoviz”, o outrora famoso Dicionário de medicina popular de Pedro Luíz Napoleão Chernoviz, médico polonês naturalizado brasileiro e que por década e meia viveu entre nós, verificamos que o escalda-pés era, no século 19, um dos auxiliares mais usados pelos doutores para tratar a bronquite. Diz ele, por exemplo, na página 367 da sexta edição do seu livro: “Todas as noites, antes de se deitar, o doente deve tomar um banho aos pés com mostarda.” Pode-se, pois, especular que a doença de Casimiro tivesse adquirido um caráter renitente, levando-o a usar com frequência os escalda-pés noturnos. Aliados ao ato de escrever, dariam a impressão de esquisitice ou mania.

3 – O endereço citado por Casimiro, Rua do Ouvidor 163, corresponde, na página 377 do Almanack Laemmert de 1853, à farmácia de João Francisco Alexandre Blanc. Ocorre que, do outro lado da rua, no nº 146, quase defronte à farmácia apontada, ficava uma outra, a de João Maria Soulié. Daí porque, conquanto o sobrenome Soulié apareça aportuguesado no rol de farmácias e boticas do respeitado almanaque, e ainda que admitamos que no n. 163 da rua em questão se pudesse comprar os “cigarros peitorais de Soulier”, ficamos inclinados a pensar que fosse João Maria Soulier (ou Soulié) o boticário que de fato os fabricava.

4 – J. A. Pinheiro (Joaquim Antônio Pinheiro) era casado com Augusta de Paiva Freese, uma das filhas do admirável educador inglês, João Henrique Freese, fundador e diretor do Instituto Colegial de Nova Friburgo, onde Casimiro estudou do 2º semestre de 1849 ao 1º de 1853.

5 – Os tios citados no “NB” (Note Bem) eram Francisco José e Manoel José que, em sociedade com o pai de Casimiro, tinham na Corte uma casa comercial, a Abreu & Irmãos, no nº 40 da Rua de São Bento. As irmãs Maria Joaquina e Albina Teresa estudavam na Corte, onde José e Antônio José Marques de Abreu Júnior, os primos citados, eram negociantes. Casimiro não faz menção à mãe, que devia estar na roça, em Correntezas, no município de Capivari, hoje Silva Jardim (RJ).

Geral: Percebe-se o quanto é meigo esse menino ao dirigir-se ao pai. Só depois do exílio em Portugal é que surgirá a secura, o ressentimento. Notar a assinatura com o nome completo, deixando à mostra a falta de intimidade que parecia haver entre os dois. Casimiro assina desse modo todas as cartas que envia ao pai.

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Professor Cristóvão Vieira de Freitas: ter sido seu aluno foi de grande valia para Casimiro.

Dedicada a Cristóvão Vieira de Freitas e a Cristóvão Corrêa e Castro, a cena dramática Camões e o Jáo foi representada e publicada em Portugal em 1856.

Cristóvão Corrêa e Castro, colega de estudos em Nova Friburgo e amigo, a quem Casimiro dedicou a cena dramática “Camões e o Jáo”. Col. Sandra Maria Corrêa e Castro Tavares.

O inglês João Henrique Freeze: um dos maiores educadores do Brasil do século XIX.